Posts Tagged ‘amor’

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28 de Março de 2011

 

 

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Nossa carne é de carnaval

24 de Março de 2011

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas as vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Clarice Lispector

Na mesa do bar não existe preocupação. Não quando estou com meus amig@s. Todos falam, todos riem, todos futricam sobre a vida alheia, todos discutem algum tipo de relação bizarra entre uma coisa e outra. Não que não existam desavenças. Essas vem aos montes. Não que não existam histórias tristes, coisas do passado. Sempre rola uma lágrima ou outra. Não que não existam momentos de silêncio. Às vezes eles são meio que necessários. Não que não existam desencontros e despedidas. Que deixam boa saudade, só.

Mas preocupação mesmo, não existe. Estamos juntos pra reinventar a história, pra revivê-la de outra forma, pra fantasiá-la com cores novas, diferentes sabores e cheiros dos mais diversos.

Tem cheiros, cores e sabores que não esqueço. Aliás, que não quero e não me deixo esquecer. O gosto do vinho e da cachaça com mel, o cheiro do mutuca, da chuva e do perfume no cangote, as múltiplas cores do carnaval. E isso me lembra mais mesas de bar e o quanto sou louco por elas: pelas conversas de botas batidas, pelas discussões políticas em voz alta, pelas confissões ao pé do ouvido, pelas paixonites agudas que mantém a chama acesa, a roda vida, a voz ativa.

De tanto relembrar, de tanto reviver, consigo remontar e refantasiar perfeitamente uma grande mesa de bar, com todos que, de diferentes formas, com diferentes copos e bebidas, passaram e ficaram em minha vida. Imagens reais de um Brasil que amo, de São Paulo a Minas Gerais, de cerveja a cerveja, de cigarro a cigarro, de sorriso a sorriso, de história a história.

Por tudo isso sei que sou Atrás da Porta: me arrasto, me arranho, me agarro em seus cabelos, nos teus pés, no tapete atrás da porta… Sou passional demais e tenho aprendido a ser mais contido, mais objetivo com meus quereres e meus prazeres, sem deixar de lado o amor e a saudade que sinto. Que fique claro: objetividade não é prisão, nem perda de subjetividade, é uma leveza nos sentimentos, um equilíbrio essencial à delicada ecologia de meus delírios.

Sei, logo de cara, que nem todos à mesa são como eu, graças a Jah. Aliás, tenho observado que muitos de meus amigos e amores representam pra mim um oposto, igualmente amoroso, mas sem essa passionalidade toda. São Mil Perdões: te perdôo por fazeres mil perguntas, que em vidas que andam juntas ninguém faz, te perdôo por pedires perdão, por me amares demais… São aquele gostar meio escondido, aquela objetividade exacerbada, que não deixa os sentimentos aparecerem à primeira vista, nem à segunda. Uma racionalidade tamanha que não deixa determinadas vontades emergirem por si próprias. Aprendi, creio eu, com essa minha busca por uma passionalidade mais branda, a respeitar essa maneira de agir, essa forma de adorar pelo avesso.

Porém, como a mesa de bar é sempre um espaço de democracia, todos nos propomos a sentir o que o outro sente, ou temos procurado fazê-lo, à nossa maneira. E espero, nessas andanças de mesa em mesa, de bar em bar, ter dado um pouco do meu coração passional aos que dele querem sentir algo. E, tenho certeza que, da mesma forma, absorvi muitos desses pensamentos de mentes racionais, de que tanto preciso pra me transformar.

Afinal, vida é troca, vida é luta, vida é delírio, vida é transformação.

E dessa vida, a única coisa que sei, amigos e amigas, é que quando estou junto de vocês, quando nos conversamos, quando nos abraçamos, quando nos beijamos e quandos nos amamos, não somos nem Atrás da Porta, nem Mil Perdões.

Somos todos Folhetim. Somos todos Dê um rolê.

Somos, definitivamente, amor da cabeça aos pés.

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A porta da geladeira

4 de Fevereiro de 2010

ou Tudo sobre minha geladeira

“Eu simplesmente posso dizer que não o escrevi: fui escrito por ele. Ao contrário de todos os outros, não seguiu nenhum seguro plano prévio. Eu simplesmente não sabia ao certo o que queria dizer ou contar. Para saber, foi preciso aceitar escrevê-lo meio às cegas, correndo todos os riscos.”

Caio Fernando Abreu,  Para Não Gritar.

Na geladeira, nada de nada: dois sucos de caixa, quatro garrafinhas de água, duas ou três maçãs, quatro cebolas pequenas, molhos para salada, nenhuma salada. Num flash cogitou entrar na geladeira, como Mary-Louise Parker em Angels in America; tentar alguma coisa nova, inovadora, vai que dá certo, pensou. Mas não tinha comprimidos de valium e, além do mais, não queria criar alucinações. Queria que as alucinações viessem até ele, como num sonho psicodélico que se transpõe pro plano material.

Gostava de pensar nas coisas, fritar os nervos com relativizações descabidas, suposições do-que-poderia-ser-ou-ter-sido-ou-vir-a-ser. Fantasiar um pouco a realidade sem graça, sei lá. Criar estratagemas que provavelmente não iria utilizar, por mais que desejasse. Isso porque tinha medo de ser sincero demais com as pessoas e com as coisas que gostava. Na verdade, tinha medo que o achassem bizarro. Afinal, ninguém tenta a boa sorte entrando numa geladeira quase vazia. Só a Mary-Louise Parker, claro. E ele. Ou não. Será?!

Nesse frigir dos pensamentos, lhe ocorreu uma dura e corriqueira reflexão: nunca iria encontrar ninguém que o amasse de verdade. Só amor não correspondido, coisa platônica. Tudo amor assim, daquele jeito ruim, que ninguém ou quase ninguém quer ter. Não sabia porque havia cogitado entrar na geladeira e logo após pensado nisso. Não havia correlação direta entre as duas coisas. Ou havia?!

Ficou triste e aflito sem saber o porque das coisas da vida e do mundo. Deu aquele aperto estranho no coração, um comichão nas pontas dos dedos. Tentou se concentrar na bizarrice dos pensamentos pra ver de onde tinha tirado tamanha e horrível constatação. Relembrou pequenas aflições, velhos amores, grandes paixões, altos astrais, altas transas, lindas canções. Tudo em questão de segundos, como se fossem flashs rápidos de uma câmera fotográfica, tiros de metralhadora. Visualizava amor em tudo e em nada ao mesmo tempo. Coisas, momentos e pessoas tão fluidas e ao mesmo tempo tão presentes que não tinha bases para continuar pensando e refletindo sobre. Não sabia o que pensar, na verdade. Tinha medo que aquela reflexão fosse verdadeira. Tinha mais medo ainda de não saber o que representava o sentimento amor, pois esta sim seria a  constatação real e verdadeira de que tudo aquilo que tinha vivido até abrir a maldita porta da geladeira teria sido em vão. Ou não!?

Talvez, tudo que viveu e aquele momento em que abriu a geladeira naquele domingo à noite, fossem um subterfúgio da vida, um aprendizado prévio pra que ele agora fosse mais sincero consigo e com os outros, tivesse menos medo, e conseguisse alcançar o amor que nunca havia alcançado. Mais ou menos aquela coisa de igreja, que diz que “num lampejo de consciência e verdade ele alcançou a luz e mudou de vida”. Ou era uma forma de dizer a si mesmo que era um verdadeiro bosta, uma merda ambulante e sem amores. Ou, ainda, que tudo era apenas uma grande bobagem, uma peça que seus pensamentos estavam pregando para assombrá-lo.

Realmente, não sabia o que eram esses pensamentos. E não sabia também o que considerava como sendo amor. Não sabia se o que havia sentido anos atrás se configurava enquanto. Não sabia mesmo. Aliás, não conseguia reproduzir esse sentimento agora, de frente com a geladeira aberta. Com isso, não sabia se já havia amado ou não e se já havia sido amado por alguém. Não tinha base pra comparação, entende?

Não, ninguém entende. Nem eu.

Mas o fato é que isso o frustrou absurdamente. Era a constatação mais feia de todas. Não sabia mais amar, ou pior, nunca soube, pois não conseguia reproduzir o que já havia sentido, não sabia nem por onde começar. Lembrava só dos arrepios, dos desejos, dos gemidos, dos vislumbres, dos abraços, dos beijinhos, dos carinhos sem ter fim. Lembrava de algumas coisas desse tipo. E isso já não era a livre manifestação do amor? Sei lá, pode ser de dor também, né?

Nunca se sabe. Tudo é tão difícil, tão estranho.  Preferiu pensar na concepção abragente e subjetiva de Vinícius. O amor é o carinho, é o espinho que não se vê em cada flor. É a vida quando chega sangrando aberta em pétalas de amor. Não queria mais pensar nisso, então, encontrou uma forma de se confortar. Nem oito nem oitenta. Nem amor, nem dor. Tudo é nada, nada é tudo. Everything is Everything, como dizia Lauryn Hill. Nada mais justo. Nada mais poético. Nada mais fugaz.

Tudo isso pra que, na real, as caraminholas continuassem ali, intactas, mesmo com todo o esforço de Vinícius de Moraes, Lauryn Hill, Mary-Louise Parker, o caralho a quatro.

Pior que o babaca só queria tomar um suco de manga. E acabou vendo que o coração estava tão vazio e frio quanto a geladeira.

Sorte que a porta ainda continua aberta.

Existem coisas na vida que são fruto de uma sinceridade mórbida, como esse texto. Escrevi em terceira pessoa por acreditar linguisticamente que essa seja uma forma “bonita” de dizer as coisas. Mas falo de mim mesmo, sem hipocrisias e sem arrependimentos, na tentativa de ser alguém mais feliz e completo. E, por mais que esse não seja um dos textos mais bem elaborados gramaticalmente e um tanto quanto difícil de entender numa primeira leitura, fico feliz por tê-lo escrito. Bêbado e de ímpeto, claramente. Mais feliz ainda por tê-lo postado. Bêbado e de ímpeto, claramente. Pois representa aquele sentimento de “consciência para ter coragem”, extremamente clichê, pelo menos pra mim, que não sinto há muito tempo. Vejo como um sinal. Uma pequena luz, mínima que seja. Uma porta aberta. Sinal de novos tempos, novos prólogos, novas histórias, novos finais. Esperança, enfim.

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Tento de imperfeição

26 de Novembro de 2009

Para ler ouvindo a música mais forte e bela que tiver conhecimento.

Meio-dia e trinta adentrou o recinto. Após um almoço conturbado e uma manhã de cansaço, o explosivo humano corroeu-se através do pátio da construção de vidro, atravessou o corredor de flores silvestres, subiu as escadas de marfim e deu de cara com as pessoas que mais amava e com as que menos gostava nessa vida.

Se é que ainda tinha vida e se é que ainda podia entitulá-la como tal.

Perguntou o que poderia fazer para ajudar, a quantas andava a coisa toda, que caixas deveria carregar… O que fazia ali? O que todos faziam ali? O que toda aquela construção fazia ali? O que todas aquelas vielas tortas faziam ali? O que aquela cidade toda fazia, escondida nos cafundós conservadores de um estado decadente, de um país em declínio?

Por alguns instantes a intolerância tomou conta do seu corpo. Não se sabe o que aconteceu. Desejo de brigar, partir pra cima de alguém, caçar confusão, deixar o demônio operar e apossar-se de sua mente… Não se sabe mesmo, mas seja o que for, essas forças motrizes fizeram festa em sua imaginação como há muito não faziam.

A cabeça doía, mas controlou-se. Fez caras e bocas, sorriu às gargalhadas, flerteu com quem viu de interessante pela frente, olhou os transeuntes com olhos baixos, soturnos, veementes. Lançou mão dos sarcasmos mais bem elaborados e maldosos, diga-se de passagem.

Boas armas, que, quando bem utilizadas, irritam e ferem mais que um soco bem dado, pensou.

Acertou em cheio. Saiu vitorioso, pelo menos, em sua fértil imaginação. Vislumbrou ser odiado mesmo, com toda força e todo ódio desse mundo, agora ou mais tarde, tanto fizesse, tanto houvesse, tanto quisesse.

Duas e meia da tarde adentrou novo recinto. Ambiente estranho, insalubre, parecido com a sensação de afundar-se em areia movediça. Colocou os fones de ouvido na tentativa de reinterpretar suas fantasias mais ousadas através das músicas que mais gostava. Saiu completamente do mundo. De corpo, alma e coração. Não sentia mais nada, nem uma sensação sequer. Tomou de assalto a estratosfera, como se ela fosse demasiado pequena para tamanha neutralidade de sentidos. Queria reabsorver-se de si mesmo, sugar tudo de ruim que existia para construir algo novo por cima, como um prédio em ruínas que é implodido para conferir vida nova em espaço e tempo diferentes.

Após tanto ódio, tanta raiva, tanto mau pressentimento, acalmou o coração. Voltou a si por livre e espontânea vontade de espírito.

Sabia que era volúvel e que essa volubilidade tinha seus encantos, pelo menos, em sua imaginação fértil. A cabeça ainda doía, mas por motivos diferentes. Era a transformação dos sentimentos ruins em renovadas fontes de percepção.

Às seis da tarde, ao desfalecer da aurora, já era outro. Não precisava de recintos, fossem construções de vidro ou ambientes insalubres. Nada disso. Era todo o espaço que podia alcançar com a fantasia. Era realmente outro. Era si mesmo. Nem ódio, nem neutralidade.

Era amor. É amores.

E o resto da história eu não preciso nem contar. Sei que é difícil, mas realize em sua mente, em sua alma e no íntimo do seu ser, um homem realmente feliz. Que de explosivo humano à uma neutralidade estratosférica, encontrou-se no lugar dos amores, das fantasias, das paixões irresolutas e das utopias transformadoras.

Não. Não pense que era perfeito, pois tinha prazer em não sê-lo, pois era feliz nas inconstâncias, nas volubilidades e, principalmente, nos prazeres de transformar as coisas mais humanas.

Era ainda o ódio, era ainda o neutro.

Sabendo, que, no final das contas, era sempre o amor.

E é sempre amores.

Sempre.

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Quando a gente vai…

18 de Agosto de 2009

Quando a gente vai

Há tempos tenho tentado mudar de vida. Tornar-me mais responsável com meus estudos, com meu trabalho e com minha casa. Tenho tentado encontrar alguém com quem possa compartilhar os desgastes e as alegrias dos dias, das semanas, dos meses e, quem sabe, dos anos…

Na verdade, quero e tento ser mais organizado e sistemático, pra não parecer que uma bomba atômica é lançada a cada passo que dou, por cada lugar onde piso.

Profissão, satisfação, sabedoria, carinho, amor… Por tempos pensei em estratagemas, táticas e formas de alcançar tudo isso. Claro que não de uma hora pra outra. Mas gradualmente… Com leveza, calma, sapiência…

Mas nada funcionou até então.

Tenho tentado descobrir o que tanto me aflige, qual a causa de tanta hiperatividade, de tanto descontrole.

Não tenho paciência.

E essa ânsia pra que as coisas dêem certo me deixa louco, me tira do mundo. Acaba afetando meus relacionamentos interpessoais e profissionais. Estou com preguiça pra dialogar sobre coisas banais. E até mesmo sobre algumas coisas que considero sérias.

Tenho precisado de fundamentos. E de calma, pra lidar com minhas reflexões. Com minha mente e com meu coração.

Deve ser por isso que esses estratagemas, táticas e formas pra alcançar essas felicidades materiais não tenham dado certo até agora. Talvez não sejam essas as felicidades que quero e, certamente, não é sendo outra pessoa que me fará alcançá-las, quaisquer que sejam.

Preciso urgentemente de novos fundamentos. Outras perspectivas. Outros olhares.

Mas entendo que é assim mesmo que funciona essa onda de ir vivendo. Às vezes dá vontade de ser outra pessoa… Alguém diferente. Como as pessoas mais loucas e felizes dos filmes. Como as mais ousadas com seus amores. Como as mais criativas com seus problemas. Como as mais bombásticas e ao mesmo tempo mais organizadas que possam existir.

Mas essa vontade passa… Como o tempo. Passa…

Quando a gente vai se descobrindo…

Quando a gente vai descobrindo o outro…

Quando a gente vai descobrindo o outro que existe dentro da gente…

Quando a gente vai se tornando alguém especial pra gente mesmo…

E nem percebe.

Daí dá uma puta duma vontade de ser uma versão melhorada do que a gente já é.

E isso é bom.

Pelo menos, eu acho.

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Chuva de lírios

10 de Agosto de 2009

Chuva de lírios

Passei esse final de semana assistindo filmes que, de alguma forma, fizeram parte da minha vida, do meu passado. Claro que influem ainda no presente e, provavelmente, influirão no futuro, mas, de qualquer forma, num plano específico, mais detalhado, esses filmes ficaram lá, guardados em algum lugar do meu passado.

E algumas características desse passado, num plano mais geral, pode-se dizer que “pelo ângulo como eu analiso e critico as coisas”, é igual ao presente e, provavelmente, vai ser igual no futuro. Meus métodos pra pensar e refletir sobre as coisas da vida parecem ser os mesmos de quando eu tinha doze anos: cheios de estratagemas, conjecturas, devaneios e fantasias.

Mas, enfim… Comecei as sessões com Magnolia, numa madrugada incendiária. O efeito foi o mesmo das outras três vezes que assisti: fiquei acordado até as nove da manhã, fantasiando milhares de loucuras. Coisas minhas, coisas da vida, coisas do filme. Sinas e sinais de uma viagem muito louca, que às vezes eu acho que só eu tenho, de tão colorida e estroboscópica que é. Sei lá. É estranho. Juro que tem vezes em que fecho os olhos pra dormir e começo a ver diversos caleidoscópios, de cores diferentes, berrantes, que giram na minha cabeça. Sou obrigado a abrir os olhos, fitar a escuridão durante alguns minutos e só daí fechar os olhos e tentar dormir novamente. Foi mais ou menos isso que aconteceu depois que assisti o filme pela quarta vez, mas eu ainda estava acordado.

No sábado assisti Secretária. Estava ainda meio estranho, lesado, sei lá. Mas mesmo assim foi uma experiência fantástica. Perceber o amor e o sexo com olhos mais ávidos e menos estereotipados. O sentido de coisas que num primeiro momento parecem infames, mas que, com o passar das reflexões, se tornam claras, aceitáveis, corriqueiras. Naturais, até. E é nesse momento, quando começo a naturalizar milhares de coisas que pra maioria das pessoas são bizarras, é que percebo o quanto eu mesmo sou bizarro, por me deixar enlouquecer por muitas dessas pequenas atitudes que inicialmente parecem infames e que depois se tornam naturais, pelo menos pra mim. Deve ser porque, pra sociedade, essas coisas realmente são infames e, geralmente, não se tornam naturais…

No domingo, pra aproveitar as pitadas de loucura que tinha visto nos dias anteriores, assisti Angels in America. Fui tentado a provar novamente de toda aquela atmosfera rebuscada e cheia de significados do filme-teatro, mas quase que instintivamente, o que me tentou mesmo foi a loucura dos personagens e suas relações frenéticas com espíritos, alucinações, anjos e mensageiros, enquanto que, no mundo real, se é que ele existe, vivem pra exorcizar determinados demônios.

Enfim… Acho que não precisava de tanto blá-blá-blá pra chegar a certas conclusões. Não é mais ou menos tudo isso que a gente faz todos os dias? Fantasia as coisas, pensa em amor, pensa em sexo e exorciza os demônios da vida?

Acho que a grande e fundamental diferença reside na forma como refletimos sobre tudo isso e não nos conteúdos propriamente ditos… Os referenciais são importantes também…

Pra mim, as referências não são os filmes, mas os devaneios que eles incitam…

E é isso que aprendo, a cada passo, a cada momento de loucura: a respeitar a delicada ecologia de meus delírios.

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Blues da madrugada

25 de Maio de 2009

blues

Para ler ouvindo You don’t know what love is.

Desceu pela primeira vez naquela estação.

Era o início da nova rotina casa-trabalho, trabalho-casa.

Cabeça baixa, taciturno, atravessou a estação como quem se encontra perdido e assustado no meio de um mar de gente. Mas não havia quase ninguém no pátio central da estação. Não naquele horário. Alguns travecos debochados, algumas putas cansadas, dois ou três cafetões tirando o último sarro do dia…

Não, não tinha medo dos degradados e degradadas da madrugada. Era mais um que chafurdava. Mais em pensamento que em ação, mas ainda assim chafurdava.

Espantou-se por alguns instantes com a desgraça alheia. Depois sorriu da própria desgraça. Um sorriso meio amarelado, ainda de cabeça baixa. Mas era um sorriso, sem dúvida.

Foi aí, nesse momento-preguiça-de-viver, que ouviu a música que mudaria sua vida. Caiu como uma estrela do céu. Iluminou-o.

Um blues.

Parou um instante no meio do pátio, levantou a cabeça para ver daonde vinha a voz e o sax.

Encantou-se. Pelos lábios que cantavam com tanta veemência, com tanta dor.

Percebeu de imediato que aqueles lábios haviam sido deixados. De imediato, percebeu também que queria-os pra si.

Tentou trocar um olhar, um sorriso amarelo, mas não conseguiu. Os olhos dos belos lábios estavam fechados, chorosos…

Com o tempo, os passos pelo pátio da estação foram ficando um pouco mais alegres. Todo dia um blues diferente. Todo dia os mesmos lábios. Todo dia os mesmos encantos e as mesmas dores de amor. Nenhum olhar, nenhum sorriso. Praticamente as mesmas reações iniciais.

Um santo dia, uma terça, às três da madrugada, passava mais uma vez pela estação, cabisbaixo e taciturno.

Foi quando a música parou e ouviu um grito, um chamamento.

– Ei, ainda são três horas! Você só passa às quatro!

Sentiu um arrepio gelado, visceral, mas gostoso. Sentiu que era pra ele que aqueles lábios se dirigiam.

– Esqueceu que o horário de verão acabou?

Pensou um pouco, sorriu. Bendito horário.

Acho que perdemos a noção da hora…

Até pegar o ônibus pro trabalho ficaram conversando. Tomaram um pingado, comeram um pão de queijo. A tristeza dos meses se fora para ambos. Não viam a hora do partir. Queriam os desvarios e as travessuras das noites eternas. Sentiram-se como partes soltas no mundo recém-encontradas.

Deixaram o passado e foram verdadeiros. Fizeram as perguntas e deram as respostas. E, juntos, jogaram tudo fora. Agora estão aqui, após tanto tempo, perto de mim, esperando juntos o trem na estação. Ambos chorosos.

– Estou te deixando pela última vez. Você acha que me ama, mas não… Você não me ama. Até aprender a amar, você tem que perder.

Só escutei, com o sax na mão. Não ousei interferir, pois eram os mesmos encantos e a mesma dor dos amores e dos dias passados no pátio da estação.

Foi-se… Os belos lábios ficaram sozinhos novamente, após tanta espera, após tanta procura, após tanto blues.

Mal sabiam esses lábios que o maior parceiro, o maior amor, estava logo ao lado. Com o sax na mão. Na espera, na escuta.

De tempos em tempos acordo com uma puta vontade de gritar, de declarar meu amor e minha saudade.

Ontem, e só por ontem, acordei pra ir até a velha estação.

Pensei nos amores que nunca tive, nas respostas que nunca dei, nos blues que nunca toquei, em todas as vidas e histórias que presenciei sem presenciar, sem ter e nem tocar da maneira que queria.

E hoje, e hipocritamente só hoje, não sei porque acordei bêbado e fumado.

Com o intuito de amar. Na esperança de também ser amado.

Pelos lábios, pelos ouvidos, pelos olhos…

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Livro de Cabeceira

6 de Maio de 2009

Φ Capítulo 1 Φ

– 4ª Página – Soneto de Desanuviar –

Tudo mudou.
Nada mais está no lugar que estava antes.
Uma nova vida desabrocha na rua apinhada de bares, amores e boemias…

A xícara, o cinzeiro, os livros, os chapéus, os filmes, as fotos, a colcha, o quadro de avisos,
Até os amigos, os desafetos, os encontros e os desencontros,
Tudo e todos em seus novos lugares.

Agora acordo com preocupações a menos e responsabilidades a mais,
Principalmente comigo mesmo, com minha alma, com meus amores…

Realmente,
Valeu a pena ganhar o dia fazendo rimas de ontem,
Pois estou mais seguro de cantar as prosas de hoje,
Cogitando escrever os livros do amanhã.

Mas, agora…
E só agora…
Meu pensamento tem a cor do seu cabelo.

Espero.

Mas não sentado. E nem de braços cruzados.
Sou todo amor, sou todo afeto.

– Listas –

Cinco Vontades:

– Abraçar minha família e meus amigos.
– Sair pra beber e sambar.
– Comer um pote de Nutella.
– Beber vinho assistindo filme.
– Traaaaaaaaaaaansar!

Cinco Músicas:

– Girassol da cor de seu cabelo – Clube da Esquina (letra)
– Mercy – Duffy (letra)
– Segue o seco – Marisa Monte (letra)
– Cherry – Amy Winehouse (letra)
– Lover, you should’ve come over – Jeff Buckley (letra)

Cinco Filmes:

– Chicago – Rob Marshall (torrent / wikipedia)
– Hair – Milos Forman (torrent / wikipedia)
– Kill Bill – Quentin Tarantino (torrent / wikipedia)
– Closer – Mike Nichols  (torrent / wikipedia)
– A liberdade é azul – Krzysztof Kieslowski (torrent / wikipedia)

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Rosa de sertão

19 de Dezembro de 2008

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Pode existir amor entre mar e sertão. Como o amor que eu nunca encontrei.

O sertão é aquele mar de gente atribulada, que se deita na areia de água benta, esperando a benvinda redenção. Que nunca vem, nunca passa, nunca molha, nunca desagua. Desbarranca… 

É como aquele amor que eu nunca encontrei. E que eu não sei se existe em mim. Passei um tempo sem querer saber. Agora, parece ser minha maior ânsia. Sufoca pela inexistência. Entristece pela eterna espera. Alegra pela esperança terna.

Nessas andanças pelo deserto, resolvi plantar rosa que não há. Como o amor que eu nunca encontrei. Nada floresceu. Nada brotou. Nada cresceu. Tudo fugiu. Afinal, se nem os jardins podem esperar pela primavera, imaginem os desertos, que nem água esperam! Quem dirá as rosas… Rosas vermelhas ainda por cima!

Desejo mórbido que não cessa. Plantar em areia. Crescer em pedra. Ascender em deserto.

É… Com certeza é como o amor que eu nunca encontrei.

E que agora eu sei, por insistência e utopia.

Tudo existe em mim:

O mar, o sertão, a rosa, o amor, o amar.

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A bad case of the blues…

4 de Novembro de 2008

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Já vou dizendo logo de cara: o azul me incomoda!

Sério! Que porre de cor! Faz tempo que me incomoda. É estranho, mas não páro de pensar nisso sempre que vejo, ouço ou sinto algo significativamente azul.

Pois ao mesmo tempo que parece ser bom, é ruim. Ao mesmo tempo que eleva os céus e contrasta com a beleza das nuvens ou que leva as oferendas pra imensidão do mar, traz também elementos sombrios, que não sei explicar direito. Dá-me a noção de falsa liberdade, de aprisionamento. Tipo uma máscara mesmo. Não sei…

Mas o fato é que essa cor, mesmo que de forma um tanto quanto dúbia, referencia artistas de toda sorte: música, cinema, pintura…

Vejam só: Uma das letras mais belas e depressivas de Beatles é de Because, percebe-se quando cantam Because the sky is blue it makes me cry. Os Stones deram nome a um de seus melhores e mais caóticos álbuns de Black and Blue. Madeleine Peyroux canta os perigos e aventuras da noite em Blue Alert. Na canção Hedwig’s Lament, o personagem de John Cameron Mitchell se liberta ao mesmo tempo que lamenta o fato de sua vida ser black and blue. Kieslowky, na trilogia das cores, diz que a liberdade é azul, mas, diferente do senso comum de alegria que a idéia de liberdade traz,  dos três filmes, esse é visivelmente o mais triste.

Sem falar que a cor dá um “codinome plural” a um dos ritmos mais densos e agradáveis já inventados: o blues.

Se não bastasse, os artistas dessa “modalidade” musical falam, na maioria das vezes, das desilusões da vida, dos amores que não deram certo, da espera infinda, do querer sem poder, e por aí vai… Tudo isso, é claro, sem deixar pra trás toda a beleza que permeia o sentimento.

Coisas da vida pós-moderna…

Por fim, reafirmo: corzinha mais sacana não há. Faz tipo de me-engana-que-eu-gosto: boazinha e estereotipada por fora, feia e obscura por dentro. Sei que são sensações estranhas e meio difíceis de entender, mas fazer o quê?

Como dizia Dinah Washington, You don’t know what love is, until you learn the meaning of the blues.

Vai entender…

P.S.: A imagem acima é do surrealista Joan Miró e se chama Bleu II. O título do texto é também título de um dos melhores e mais representativos blues de Dinah Washington, que por acaso, e só por acaso, fala de um amor irriquieto, que a deixa confusa e com dor de cabeça.