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Tento de imperfeição

26 de Novembro de 2009

Para ler ouvindo a música mais forte e bela que tiver conhecimento.

Meio-dia e trinta adentrou o recinto. Após um almoço conturbado e uma manhã de cansaço, o explosivo humano corroeu-se através do pátio da construção de vidro, atravessou o corredor de flores silvestres, subiu as escadas de marfim e deu de cara com as pessoas que mais amava e com as que menos gostava nessa vida.

Se é que ainda tinha vida e se é que ainda podia entitulá-la como tal.

Perguntou o que poderia fazer para ajudar, a quantas andava a coisa toda, que caixas deveria carregar… O que fazia ali? O que todos faziam ali? O que toda aquela construção fazia ali? O que todas aquelas vielas tortas faziam ali? O que aquela cidade toda fazia, escondida nos cafundós conservadores de um estado decadente, de um país em declínio?

Por alguns instantes a intolerância tomou conta do seu corpo. Não se sabe o que aconteceu. Desejo de brigar, partir pra cima de alguém, caçar confusão, deixar o demônio operar e apossar-se de sua mente… Não se sabe mesmo, mas seja o que for, essas forças motrizes fizeram festa em sua imaginação como há muito não faziam.

A cabeça doía, mas controlou-se. Fez caras e bocas, sorriu às gargalhadas, flerteu com quem viu de interessante pela frente, olhou os transeuntes com olhos baixos, soturnos, veementes. Lançou mão dos sarcasmos mais bem elaborados e maldosos, diga-se de passagem.

Boas armas, que, quando bem utilizadas, irritam e ferem mais que um soco bem dado, pensou.

Acertou em cheio. Saiu vitorioso, pelo menos, em sua fértil imaginação. Vislumbrou ser odiado mesmo, com toda força e todo ódio desse mundo, agora ou mais tarde, tanto fizesse, tanto houvesse, tanto quisesse.

Duas e meia da tarde adentrou novo recinto. Ambiente estranho, insalubre, parecido com a sensação de afundar-se em areia movediça. Colocou os fones de ouvido na tentativa de reinterpretar suas fantasias mais ousadas através das músicas que mais gostava. Saiu completamente do mundo. De corpo, alma e coração. Não sentia mais nada, nem uma sensação sequer. Tomou de assalto a estratosfera, como se ela fosse demasiado pequena para tamanha neutralidade de sentidos. Queria reabsorver-se de si mesmo, sugar tudo de ruim que existia para construir algo novo por cima, como um prédio em ruínas que é implodido para conferir vida nova em espaço e tempo diferentes.

Após tanto ódio, tanta raiva, tanto mau pressentimento, acalmou o coração. Voltou a si por livre e espontânea vontade de espírito.

Sabia que era volúvel e que essa volubilidade tinha seus encantos, pelo menos, em sua imaginação fértil. A cabeça ainda doía, mas por motivos diferentes. Era a transformação dos sentimentos ruins em renovadas fontes de percepção.

Às seis da tarde, ao desfalecer da aurora, já era outro. Não precisava de recintos, fossem construções de vidro ou ambientes insalubres. Nada disso. Era todo o espaço que podia alcançar com a fantasia. Era realmente outro. Era si mesmo. Nem ódio, nem neutralidade.

Era amor. É amores.

E o resto da história eu não preciso nem contar. Sei que é difícil, mas realize em sua mente, em sua alma e no íntimo do seu ser, um homem realmente feliz. Que de explosivo humano à uma neutralidade estratosférica, encontrou-se no lugar dos amores, das fantasias, das paixões irresolutas e das utopias transformadoras.

Não. Não pense que era perfeito, pois tinha prazer em não sê-lo, pois era feliz nas inconstâncias, nas volubilidades e, principalmente, nos prazeres de transformar as coisas mais humanas.

Era ainda o ódio, era ainda o neutro.

Sabendo, que, no final das contas, era sempre o amor.

E é sempre amores.

Sempre.