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Nossa carne é de carnaval

24 de Março de 2011

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas as vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Clarice Lispector

Na mesa do bar não existe preocupação. Não quando estou com meus amig@s. Todos falam, todos riem, todos futricam sobre a vida alheia, todos discutem algum tipo de relação bizarra entre uma coisa e outra. Não que não existam desavenças. Essas vem aos montes. Não que não existam histórias tristes, coisas do passado. Sempre rola uma lágrima ou outra. Não que não existam momentos de silêncio. Às vezes eles são meio que necessários. Não que não existam desencontros e despedidas. Que deixam boa saudade, só.

Mas preocupação mesmo, não existe. Estamos juntos pra reinventar a história, pra revivê-la de outra forma, pra fantasiá-la com cores novas, diferentes sabores e cheiros dos mais diversos.

Tem cheiros, cores e sabores que não esqueço. Aliás, que não quero e não me deixo esquecer. O gosto do vinho e da cachaça com mel, o cheiro do mutuca, da chuva e do perfume no cangote, as múltiplas cores do carnaval. E isso me lembra mais mesas de bar e o quanto sou louco por elas: pelas conversas de botas batidas, pelas discussões políticas em voz alta, pelas confissões ao pé do ouvido, pelas paixonites agudas que mantém a chama acesa, a roda vida, a voz ativa.

De tanto relembrar, de tanto reviver, consigo remontar e refantasiar perfeitamente uma grande mesa de bar, com todos que, de diferentes formas, com diferentes copos e bebidas, passaram e ficaram em minha vida. Imagens reais de um Brasil que amo, de São Paulo a Minas Gerais, de cerveja a cerveja, de cigarro a cigarro, de sorriso a sorriso, de história a história.

Por tudo isso sei que sou Atrás da Porta: me arrasto, me arranho, me agarro em seus cabelos, nos teus pés, no tapete atrás da porta… Sou passional demais e tenho aprendido a ser mais contido, mais objetivo com meus quereres e meus prazeres, sem deixar de lado o amor e a saudade que sinto. Que fique claro: objetividade não é prisão, nem perda de subjetividade, é uma leveza nos sentimentos, um equilíbrio essencial à delicada ecologia de meus delírios.

Sei, logo de cara, que nem todos à mesa são como eu, graças a Jah. Aliás, tenho observado que muitos de meus amigos e amores representam pra mim um oposto, igualmente amoroso, mas sem essa passionalidade toda. São Mil Perdões: te perdôo por fazeres mil perguntas, que em vidas que andam juntas ninguém faz, te perdôo por pedires perdão, por me amares demais… São aquele gostar meio escondido, aquela objetividade exacerbada, que não deixa os sentimentos aparecerem à primeira vista, nem à segunda. Uma racionalidade tamanha que não deixa determinadas vontades emergirem por si próprias. Aprendi, creio eu, com essa minha busca por uma passionalidade mais branda, a respeitar essa maneira de agir, essa forma de adorar pelo avesso.

Porém, como a mesa de bar é sempre um espaço de democracia, todos nos propomos a sentir o que o outro sente, ou temos procurado fazê-lo, à nossa maneira. E espero, nessas andanças de mesa em mesa, de bar em bar, ter dado um pouco do meu coração passional aos que dele querem sentir algo. E, tenho certeza que, da mesma forma, absorvi muitos desses pensamentos de mentes racionais, de que tanto preciso pra me transformar.

Afinal, vida é troca, vida é luta, vida é delírio, vida é transformação.

E dessa vida, a única coisa que sei, amigos e amigas, é que quando estou junto de vocês, quando nos conversamos, quando nos abraçamos, quando nos beijamos e quandos nos amamos, não somos nem Atrás da Porta, nem Mil Perdões.

Somos todos Folhetim. Somos todos Dê um rolê.

Somos, definitivamente, amor da cabeça aos pés.