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Quando a gente vai…

18 de Agosto de 2009

Quando a gente vai

Há tempos tenho tentado mudar de vida. Tornar-me mais responsável com meus estudos, com meu trabalho e com minha casa. Tenho tentado encontrar alguém com quem possa compartilhar os desgastes e as alegrias dos dias, das semanas, dos meses e, quem sabe, dos anos…

Na verdade, quero e tento ser mais organizado e sistemático, pra não parecer que uma bomba atômica é lançada a cada passo que dou, por cada lugar onde piso.

Profissão, satisfação, sabedoria, carinho, amor… Por tempos pensei em estratagemas, táticas e formas de alcançar tudo isso. Claro que não de uma hora pra outra. Mas gradualmente… Com leveza, calma, sapiência…

Mas nada funcionou até então.

Tenho tentado descobrir o que tanto me aflige, qual a causa de tanta hiperatividade, de tanto descontrole.

Não tenho paciência.

E essa ânsia pra que as coisas dêem certo me deixa louco, me tira do mundo. Acaba afetando meus relacionamentos interpessoais e profissionais. Estou com preguiça pra dialogar sobre coisas banais. E até mesmo sobre algumas coisas que considero sérias.

Tenho precisado de fundamentos. E de calma, pra lidar com minhas reflexões. Com minha mente e com meu coração.

Deve ser por isso que esses estratagemas, táticas e formas pra alcançar essas felicidades materiais não tenham dado certo até agora. Talvez não sejam essas as felicidades que quero e, certamente, não é sendo outra pessoa que me fará alcançá-las, quaisquer que sejam.

Preciso urgentemente de novos fundamentos. Outras perspectivas. Outros olhares.

Mas entendo que é assim mesmo que funciona essa onda de ir vivendo. Às vezes dá vontade de ser outra pessoa… Alguém diferente. Como as pessoas mais loucas e felizes dos filmes. Como as mais ousadas com seus amores. Como as mais criativas com seus problemas. Como as mais bombásticas e ao mesmo tempo mais organizadas que possam existir.

Mas essa vontade passa… Como o tempo. Passa…

Quando a gente vai se descobrindo…

Quando a gente vai descobrindo o outro…

Quando a gente vai descobrindo o outro que existe dentro da gente…

Quando a gente vai se tornando alguém especial pra gente mesmo…

E nem percebe.

Daí dá uma puta duma vontade de ser uma versão melhorada do que a gente já é.

E isso é bom.

Pelo menos, eu acho.

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Problemas demais

17 de Novembro de 2008

problemas-demais

A festa acabara há tempos. As luzes do apê se apagaram pra deixar o sol fazer a festinha matinal.

Aimee Mann saía do rádio e tomava todos os espaços. Passou pela cozinha cheia de louças pra lavar, tomou o corredor e incendiou a sala. Now that I’ve met you, would you object to never seeing each other again? Os copos sobre a mesa, entulhada de garrafas de bebida e cinzeiros lotados de guimbas, pareciam tremer ao som da música. O quarto, com a porta entreaberta, deixava a música e a luz entrarem.

Corpos embrulhados debaixo do edredon azul, cheio de estrelas amarelas. Dois. Somente dois. Amantes de um círculo vicioso em uma cama de flores murchas, de tanto transpirar.

Pareciam cansados, quase mortos, na verdade. Olhos fundos de olheiras, gosto de cabo de guarda-chuva na boca, cabeça rodando, mas nada de amnésia alcoólica. Sabiam de tudo que havia acontecido. A garrafa d’água ao lado da cama. As roupas jogadas por todo o recinto. Os maços de cigarros, o de filtro branco e o de filtro amarelo, carcomidos em cima da banqueta. O olhar e o ambiente indicavam certeiro: cagada. Mas, não se sabe porque, continuavam deitados. Ela de frente pra ele. Ele de frente pra ela. Começaram a se olhar, quase que instantaneamente, quando ouviram a primeira frase da música.

Pareciam ter acordado juntos, ao mesmo instante. Caso raro. Geralmente um acorda antes do outro e fica a mercê de duas possibilidades: ufa, que bom!, e volta a dormir ou continua a observar o outro dormindo ou merda, que cagada!, e volta a fechar os olhos ainda acordado, refletindo sobre o que teria acontecido horas atrás.

Esse não era nenhum dos dois casos. Tinham acordado juntos. Fitavam um ao outro com olhares ambíguos: ora de aflição, ora de safistação, quiçá de felicidade. Não sabiam o porque continuavam a se olhar, mas o importante é que se olhavam nos olhos, diretamente. Caso raro. As pessoas perderam um pouco da coragem de olhar nos olhos umas das outras . Medo de reprovação. Medo de abismo.

Ele e ela, não. Não estavam com esses medos naturais à condição humana.

Ela tomou a iniciativa: passou os dedos levemente sobre seu rosto. Acariciou sua barba.

Ele, de pronto, acariciou-lhe os lábios com as pontas dos dedos, desceu suavemente pelo pescoço e chegou aos seios. Sentiu seu coração bater mais forte. Ela também sentiu o dele. Os dois num mesmo compasso descompassado. A fumaça do incenso traçava uma linha.

– Isso não vai parar?

– Precisa?

– Sou apenas um problema que você precisa resolver.

– Então me deixa solucionar.

A partir de então resolveram solucionar tudo que fosse juntos, através do olhar. E os problemas se tornaram constantes na vida dos dois.

Ainda bem.