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A gota d’água

17 de Novembro de 2008

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A primeira gota de chuva caiu do céu e veio diretamente pro meu olho. Parecia estar chorando na rua, com o olhar estatelado.

Engraçado.

Enquanto todos corriam, eu andava calmo, só desviando dos carros. Não procurei nenhuma marquise, nem tirei o fone do ouvido. Só andei. Sabe aquele andar instintivo diferente da maioria? Todos com o calcanhar em fúria, eu com os pés calmos. Nem pensei em me apressar.

Engraçado.

Medo de chuva. Todo mundo corria como se fosse um tufão.  Pra que? Por acaso isso mata? Depende da ocasião, né não? Se fosse nos Estados Unidos, na Índia, na Coréia, nesses lugares onde acontece todo tipo de desastre e desgraça natural, tudo bem. Mas um chuvisco torrencial de fim de tarde no Brasil num causa mal algum não, uai. Ou causa?

Bem, só sei que nada sei… Não entendo direito nada de nada.

Mas que lavou um pouco a alma, isso lavou. Precisava de uma revisãozinha, a alma. Pra sair um pouco da lama do dia-a-dia. Deve ser por isso que as pessoas tem medo da chuva. Na verdade, deve ser um medo de lavar a alma. Medo de essa ser a decisiva gota d’água.

Engraçado.

Alma e Lama tem as mesmas letras. Uma está cheia da outra, em todos os sentidos. Uma se forma com a chuva e a outra tem medo dela. Acaba que uma complementa a outra, né não? Alma, lama; lama, alma. É… Irmãzinhas. Gostei. Mas, dentre tantas coisas boas, coisas ruins, rimas boas, rimas ruins, já vou logo me precipitando a dizer: entre a lama e a alma, prefiro ir com a calma.

Jesus!

Quanta patota! Quanta análise furada! Quanta coisa de gente retardada…

Arre, bobajada! Sai daqui, coisa ruim, viagem errada da porra!

No mais, sem filosofias, só sei que fiquei ensopado. E quando acabei de subir as escadas de casa, sorri.

Simples assim. Sorri.

Mas deixa eu parar por aqui. Deixa pra lá também. É melhor.

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Palhaços no salão

9 de Novembro de 2008

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Andávamos a passos largos e apressados. Tínhamos de ir logo ao supermercado, comprar todas aquelas coisinhas imprescindíveis à uma noite pra lá de divertida: comidas de beliscar, bebida alcoólica e cigarros. O que mais nos afligia, até então, era a falta do famigerado gim.

Acabamos indo de cerveja mesmo: um fardo de latões. Perambulamos um tiquinho mais pra pegar o restante dos ingredientes e partimos pra esperada, combinada e cada vez mais próxima, gandaia particular. Estávamos quase que fugindo do mundo.

Não, não era uma fuga de verdade, no-sentido-literal-da-palavra. Eram pequenas vontades, que há muito não eram realizadas. Conversar, partilhar, gargalhar. Falar da vida: nossa e dos outros, claro.

Enfim… Cerveja vai, cerveja vem. As canequinhas brindavam em sinal de alegria, mais loucas que o morcegão da DC Comics. Fomos pra cozinha, fazer a prometida porçãozinha de linguiça defumada com provolone e pão amanhecido. Delícia da vida. Chuchu beleza!

Lembro que falávamos de tudo um pouco. Dos projetos, das realizações passadas, dos romances que não davam certo, dos casos escabrosos e também dos engraçados.

Pequenas celebrações.

Noite severina, severina noite.

Nostalgia do passado, incerteza do presente e esperança de futuro.

Tudo era farto. Tudo era alegria. Tudo era cansaço. Tudo era disposição.

Tu-ru-ru-ru, Tu-ru-ru-ru, Tu-ru-ru-ru-ruuuuuuuu. Tu-ru-ru-ru, Tu-ru-ru-ru, Tu-ru…

Celular tocando. Que porre!, pensei.

Alô?

– Vem pra cá, pra minha casa. Vêm agora!

– Num posso. Tô longe daí. E já são quase onze e meia. Num tem como não.

– Vou ter de falar por telefone, então… Acontece que a…

Parei de ouvir.

Deixa eu conversar com outra pessoa, isso é brincadeira.

– Não é, mas, enfim…

O segundo pra passar o telefone de uma mão pra outra podia ter durado a noite toda, mas foi rápido, um segundinho só.

– É ver… ver… verdade sim. Ela morreu.

Pane. Choro. Tremedeira. Descompasso. Soco no estômago.

Calma, calma, o que foi?

Abraço. Água. Cigarro. Tremedeira. Senta. Cadeira. Aqui! Transe… Como pode?

Celular. Me empresta seu celular!

É verdade mesmo?

– É! Vem logo pra cá. Tá todo mundo aqui!

Celular. Táxi. Cigarro. Tempo. Tempo. Tempo. Não passa, porra! Que merda!

Buzina. Portão. Rua. Porta. Rodovia. Choro. Choro. Choro. Descompasso. Gente fantasiada. Zorro, Batman, Amy, cotonete, puta, travesti, médico, Jesus! Gente louca! Gente estranha. Gente feliz… Eu, chocado. Com o paiol e o fósforo grudados na mão.

Desci as escadas com o coração em punho. Toquei a campainha com alguma esperança.

A cantora abre a porta, sem suas vestimentas peculiares. Cara inchada. Abraço. Choro.

Era verdade.

Meus amigos, todos sérios, uns de cara fechada, outros com os olhos marejados, alguns, como eu, sem chão. Surreal. Não era um velório, mas a casa, antes radiante, estava escura. Parecia ter velas grudadas nas paredes. As pessoas pareciam estar vestidas de luto. Era verdade.

Música. Precisava de música. Qualquer uma. Escolhi o blues. Sentei num canto, ouvi e fumei mais.

Nada, não queria nada nem ninguém. A alegria, com um só baque, se esvaiu completamente.

Fomos ver como os outros estavam. Passamos pelas ruas lotadas de máscaras, fantasias, alegria e embriaguez. Nós, trizteza. Mal chegamos e logo sentei sozinho na escadaria. Alguns vieram me abraçar, outros conversar. Não queria nada, nem ninguém. Chorei. Como há tempos não chorava.

De súbito, alguém tirou o fone do meu ouvido. Só vi a imagem na camiseta: mão, exclamação, Avante!

Não aconteceu nada. Tá tudo bem. Ela não morreu.

Parei.

Baque.

Alívio. Nostalgia. Gente triste sorrindo. Gente alegre desacreditada. Gente boba se abraçando.

Tudo era brincadeira. Tudo era mal-gosto. Tudo era mórbida alegria. Tudo era humilhação. Tudo era vergonha.

Pra que? Por que? Pra quem? Como? Quando? Onde? Quem?!?!

Lead fácil de entender.

Criança de 19 anos, com problemas de compreensão das coisas e dos sentimentos do mundo, finge a própria morte, na tentativa de desvendar os mistérios do coração.

Do coração dos outros. Do coração de um, do coração de todos. Do coração dos despreparados.

Afinal, quem não quer se sentir amado por alguém?

Vai entender!

Cada um tem aquela paz que não quer seguir admitindo. Cada um brinca como pode e mobiliza como quer. Cada um tem as vontades que a cabeça realiza e que o coração não reflete. Cada ser tem sonhos a sua maneira.

O problema é que, pra realizar os sonhos a gente é obrigado a deixar uma parte de nós pra trás. Fantasias custam caro.

E a fantasia de palhaço que fui obrigado a vestir na festa dessa noite custa a sair. Foi pesada de vestir e está pesando pra sair.

Mas vai passar.

O resultado disso tudo são só mais algumas noites em claro, como tantas outras desses últimos tempos… Dessas últimas fantasias gastas.

A uma alma infeliz que ainda teimo em amar. Não se foi dessa vez, mas perdeu parte de sua luz. E um pouco do caráter também.
Ao leitor preparado, espero que saiba que tudo que escrevi nessas linhas tortas faz parte de uma grande brincadeira. Um ato lúdico de fazer os outros se esguelarem, típico de palhaços. Mas por mim tá tudo bem, tá tudo ótimo, pois fiquei sabendo que esse tipo de brincadeira é a nova moda da pós-modernidade. Lá no País dos Retardados, na pequena Vila dos Sentimentais, Rua do Desencanto, nº 171.