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À exceção do amar

30 de Setembro de 2010

Para ler ouvindo The only exception, a única exceção à regra do Paramore.

Pé com pé, manso de tudo, desinteressado, braços frouxos, bornal jogado no ombro, respirou fundo, girou a maçaneta. Blasé.

Tirou os óculos escuros da avó, olhou pra esquerda, percebeu um olhar. Belos olhos. Conteve-se.

Sentou no corredor de cadeiras vazias, ouviu a palestra durante exatos dois minutos e trinta e sete segundos… Abriu o livro de cabeceira. Começou a devorar silenciosamente cada página, como se entrasse naquele mundo bandido, biográfico e dele fosse parte. E era, de certa forma: um pouco de louco, um pouco de herói, um pouco de místico, um pouco de renegado, muito de sonhador, assim como o amigo relembrado no livro, seu escritor favorito. Leu até sentir sede. Não queria se levantar e sair da sala, não queria ser percebido. Preguiça versus sede. Round 1. Fight!

Nem precisou sair do primeiro round: sede wins.

Ao abrir a porta, garganta seca e garrafa de plástico em mãos, avistou numa conversa a dois aquele belo par de olhos, que novamente o encaravam. Decidiu, meio a contragosto do raciocínio padrão, tirar o coração do automático, do sistema de defesa anti-vírus e como se levantasse de um trono todo empoeirado e cheio de teias de aranha, foi puxar conversa. Venerava esses acasos, esses pequenos momentos de mistério, de indecisão até levantar do próprio trono e sacudir a poeira; ao mesmo tempo que os temia. Tinha medo de todo esse processo, de se decepcionar, de não ser retribuído. Mas o fato é que deu as caras. E percebeu, além dos belos olhos, um leve, sutil, mas, ainda assim, grande sorriso. Para o bem de seu coração, que funcionava momentaneamente no manual, os olhos em comunhão com o sorriso indicavam ao raciocínio padrão, já todo despadronizado, a esperada retribuição, resposta mais que bem-vinda ao acaso e ao mistério que o moviam. Sem ter nem saber, retribuiu também com um belo olhar e um grande sorriso.

– Vamos fumar um cigarro?

– Não fumo nada com nicotina, mas te acompanho.

Risos.

O restante, de certa forma nada particular, é história, como dizem por aí. Se conheceram, se reconheceram, fizeram novos amigos, se tornaram amigos, compartilharam algumas noites, algumas manhãs e construíram uma pequena história. Uma grande epifania, na verdade, acompanhada de um quarto bagunçado, uma cama de solteiro, um edredom azul, um travesseiro molhado de suor, milhares de beijos de cinema e abraços tão apertados e entrelaçados que até um marinheiro se os visse sentiria vergonha por seus nós. Dois tímidos “eu te amo”, no final, vindos de ambas as partes e seguidos de outros beijos e abraços, agora de despedida.

Uma história clichê e nada particular. Isso se um deles, há muito tempo, não tivesse jurado nunca mais dizer, com tamanha precipitação, a expressão “eu te amo”, mesmo que ela fosse entremeada de um inseguro “também” e seguida de um sorriso amarelo. Para ele existia, e talvez ainda exista, certamente, um medo, um receio, uma dívida bastante viva com essa expressão: é forte demais, traz com ela muito de passado, de momentos que doem, doíam. E pode te derrubar, ou pior, derrubar alguém, como uma bala perdida. E o havia derrubado, certamente. E derrubado alguém, não sabia.

Pesadelo passado, retornou ao sonho presente.

Acordou…

Acordei, finalmente.

E ao acordar do ferimento a bala que havia sofrido há anos, acordei desse acaso, desse mistério, desse sonho em terceira pessoa, que nunca acontecia comigo. Até então. Acordei do sono que havia dormido tanto tempo, que me transmitia ausente esse tom de inexistência, de neutralidade, de terceira pessoa. Percebi, abruptamente, que em anos de sonho ao avesso, você foi um tipo de alvorecer, de despertar. Minha primeira quebra de juramento. Sem também, sem sorriso amarelo, sem medo, sem bala perdida, sem arrependimento.  E da próxima vez, vou me precaver pra não me preparar, pra não jurar, pra não esperar. Vou acreditar nessa mística particular dos nossos lábios, dos nossos abraços apertados, dos nossos corpos nus, das nossas noites e das nossas manhãs. Dos nossos sorrisos, nariz com nariz. Afinal, acaso é palavra de ordem e mistério sempre há de pintar por aí.

E, até então, você é dos meus melhores acasos. Dos meus melhores mistérios.

E minha breve e única exceção pro verbo amar.