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24 parágrafos

9 de Setembro de 2010

ou Da janela do quarto.

Vinho e cigarros. Vinho e cigarros. Vinho e cigarros…

Fecho os olhos e tento lembrar. Bem apertado.

Como começa essa história?

Lembrava ontem, hoje não lembro mais.

Merda…

Tinha lua, tinha gato, tinha árvore, tinha recados, tinha uma mesa cheia de porcarias, um edredon sujo.

Merda…

Acordei por volta das cinco ou seis da tarde com o vento. Não lembro que hora fui dormir. Só sei que já era noite. A árvore quase que totalmente depenada ainda jorra pela janela pequenas folhas amareladas no meu edredon azul. Tipo de frio. Árvore filha-de-um-puta-mal-paga, sujou todo meu edredon com essas merdas de folhinhas amarelas. E como tirar essas merdinhas amarelas do trilho da janela, da beirada do pé da cama, do chão do quarto todo? Não sei bem o que faço por aqui, deitado, friorento, tentando dormir um sono que não existe enquanto todo o mundo está acordado. Às seis da tarde…

Lembrei. É dia de comemorar. Aliás, é véspera de comemoração.

Acendi um cigarro logo que levantei. Fui pra beira da janela, coloquei Beauty is within us pra rolar, som de Scott Matthew. Onde ouvi isso a primeira vez? Não, não é de Shortbus. Acho que é de Ghost in the Shell, mas não tenho a máxima certeza, nem a mínima vontade de pesquisar. Deixei rolar, fácil assim, afinal, a beleza está dentro de todos nós, é como uma rosa que está pra desabrochar e blá blá blá blá. Só quero ouvir uma música que dê pra chegar até o meio do cigarro, depois escolho outra, aleatoriamente pré-requisitada, pra outra metade. Psychedelic Soul, mais do mesmo. Antes que o cigarro terminasse senti uma vontade quase que irrefreável de encostar os lábios na cantoneira de metal da janela. De segurar firme as mãos na parede ao lado da janela. Como se agarrasse alguém, como se aquele enconstar de lábios contra o metal e de mãos contra a parede fossem um simulacro daquilo que eu mais desejava durante esse tempo todo de sono, sonho e cigarro.

Uma marca quase imperceptível de respiração ofegante foi desaparecendo lentamente da superfície metálica, enquanto a chama do cigarro se esvaia e os últimos tragos estavam por vir.

Não tinha muito o que comemorar, pensando bem, analisando minha atual situação de desprendimento com o mundo e de literal agarramento com a parede do quarto e com o metal da janela.

Parei de pensar. Não há pra onde fugir, não há contra o que ou quem lutar. Não existem razões, nunca existem, não é mesmo? Por que pensar, então? Melhor: em que pensar? Na situação que acabou de acontecer ou nas situações que já aconteceram antes dessa, muito parecidas por sinal?

Não há nada em que pensar.

Vesti uma roupa, peguei uma blusa de frio, calcei as havaianas e saí. Meio sem rumo, creio. Precisava comer. Comprei uma pizza, metade moda da casa, metade frango com catupiry, uma coca-cola, vi algumas pessoas, não olhei nenhuma no rosto, fui até à padaria, comprei pão, presunto e queijo, vi mais algumas pessoas, não queria olhar em rosto nenhum, andei alguns metros, merda, voltei à padaria, comprei um maço de cigarros, este produto contém mais de 4.700 substâncias tóxicas, e nicotina que causa dependência física ou psíqui…, saco, nem se pode comprar um pão em paz!

Não. É proibido comprar pão.

Voltei lento pra casa. Acompanhava o passo não-passo dos gatos preguiçosos que habitam as ruas desertas de feriado. Avistei alguém fumando, cigarro de filtro amarelo, enquanto esperava o cachorro, um poodle branco mais que horroroso, fazer as necessidades noturnas. Tanto a tarefa quanto o cigarro pareciam não ter fim, tanto que me acompanhou com os olhos disfarçados de boné até minha chegada em frente ao portão. Walking after you, Foo Fighters, tocou baixinho em minha cabeça. Estranha fantasia.

Subi a escadaria, tomado pelas paredes e pelas vigas de metal, até o terceiro andar. Passei pela velha porta branca, pela porta de mogno, pela porta de Dona Nena, avistei o tapete colorido, bem-vindo, entrei. I’m on your back. Barulho de chuveiro, adoro água, doce, de preferência, por favor. Pus a pizza na mesa, o pão na cozinha, os frios na geladeira, o maço de cigarros perto da janela da sala, junto do cinzeiro. Pratos na mesa, talheres também, condimentos idem. Comemos, conversamos, olhei pouco para os lados. Fui pro quatro, fumei uma metade ouvindo 20 anos blues e a outra, Batucada da vida, ambas de Elis.

Meia-noite. Meio-cigarro. Meio-apático. Toca o telefone.

Parabéns! Abraço! Te amo muito! Sinto sua falta! Queria você por aqui! Agora você já tem a nossa idade! (risos, não meus, até então).

A partir daí, e só daí, comecei a lembrar. Comecei a desprender alguns sorrisos, pequenos que fossem. E fui me lembrando de coisas, que talvez já não façam mais parte de mim, não sei. Lembrei que sempre tentei ser um cara legal. Lembrei que tenho família e amigos e que os amo muito. Lembrei que já fiz coisas das quais me orgulhei com força. Lembrei, principalmente, que existem formas de lutar e lugares onde resistir. Kamchatka. Lembrei de alguém que, despercebidamente, passou pela minha vida. E espero que volte. Lembrei de mim. E essa foi uma boa lembrança.

Cantei É com esse que eu vou e Só tinha de ser com você em voz alta, enquanto saía de casa, enquanto esperava o ônibus, enquanto andava pelas ruas do centro. Daí em diante, desprendi sorrisos mais largos, mais cheios de mim, de alguém, de todos que amo. Ao olhar pela janela, vi mais que folhas amarelas.

Vi o sol.

E os brotos novos que saem dos galhos da árvore.

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